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Paradoxo: Capítulo 04
A luz suave da manhã invadia a editora, lançando sombras delicadas sobre a sala de reuniões. Júlia estava surpresa consigo mesma por ter chegado antes de Lucas. Ela ajeitou o café sobre a mesa, revisando mentalmente as tarefas do dia. Por mais que tentasse negar, algo havia mudado no ar desde a última reunião. Ela sentia isso, ainda que não quisesse admitir.
Quando ele finalmente entrou, não
houve a habitual troca de provocações. Ao invés disso, ele soltou um simples e
educado “bom dia”, o que a pegou de surpresa. Ela respondeu com um aceno de
cabeça, observando-o de relance enquanto ele se acomodava na cadeira em frente
a ela.
Por um momento, nenhum dos dois
disse nada. O silêncio estava carregado de algo mais do que apenas foco no
trabalho. Júlia organizava os papéis sobre a mesa, Lucas deslizou para ela um
novo manuscrito, o que provocou o início de uma conversa mais prática, mas
ainda tensa.
— Este autor tem algo que me
parece promissor. Gosta de trabalhar com estilos híbridos, o que pode ser
interessante para a antologia — ele começou, apontando para algumas anotações
que havia feito nas margens.
Ela pegou o manuscrito, folheando
algumas páginas enquanto ouvia seus comentários. Pela primeira vez, não sentiu
que ele estava tentando impor uma ideia apenas para vencer a discussão. Ele
estava, de fato, tentando colaborar, e isso a incomodava menos do que ela
gostaria.
— Concordo — ela disse, sem
perceber que sua voz havia saído mais suave do que o habitual. — Talvez
possamos trabalhar a apresentação dele de uma forma que mantenha o caráter da
editora, mas abra espaço para algo mais contemporâneo.
Ele pareceu surpreso com a
facilidade com que ela concordou, mas não fez nenhum comentário. Em vez disso,
continuaram o trabalho, trocando ideias com mais fluidez do que em qualquer
outro momento desde o início da competição.
As horas avançaram e, por mais
que tentassem manter a concentração no trabalho, pequenos momentos de distração
os pegavam de surpresa. Ele se inclinou para pegar um livro, e a manga de sua
camisa roçou de leve no braço dela. O toque foi breve, quase insignificante,
mas o calor que subiu pelo braço de Júlia foi inegável. Ela se endireitou na
cadeira, tentando ignorar a sensação.
No final da manhã, depois de uma
série de discussões produtivas, eles decidiram fazer uma pausa. Lucas sugeriu
um café e, sem pensar muito, ela aceitou. No pequeno refeitório da editora,
enquanto esperavam que o café fosse servido, o silêncio voltou a pairar entre
eles, mas dessa vez, não era desconfortável.
— Nunca imaginei que você fosse
tão exigente com os detalhes dos manuscritos — ela comentou, quebrando o
silêncio com uma leve provocação. — Achei que sua abordagem fosse mais...
impulsiva.
Ele riu baixinho, algo raro de
ver.
— E eu nunca imaginei que você
fosse capaz de abrir mão da tradição em nome de uma boa ideia — ele devolveu,
com um meio sorriso. — Acho que estamos ambos nos surpreendendo, não?
Ela hesitou antes de responder.
Havia algo na forma como ele a olhava agora, um brilho nos olhos, algo
diferente de qualquer coisa que ela já havia visto nele. Não era mais o olhar
de rivalidade, mas de alguém que começava a enxergá-la de uma forma mais profunda.
— Talvez... — ela disse, mantendo
o olhar, desafiando-se a não recuar. — Talvez a gente não seja tão diferente
quanto parece.
O momento durou apenas alguns
segundos, mas parecia que o tempo havia se alongado. Eles se estudaram com
cuidado, como se cada um tentasse entender a nova dinâmica que começava a
surgir. O som do café sendo servido os trouxe de volta à realidade, e ambos
disfarçaram o breve instante de vulnerabilidade, retornando a suas máscaras
habituais de profissionais focados.
Mas algo havia mudado, ainda que
nenhum deles estivesse disposto a admitir.
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