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A Narrativa de Edward Hyde (2023)

Sinopse:

Após o relato de Henry Jekyll sobre seu estranho experimento, a única coisa que resta é Hyde, o lado cruel e impiedoso do falecido doutor.

Mas, ao acordar no lugar onde o médico deixara de existir, o “monstro” decide escrever sua própria versão desse experimento antes de ser levado para os braços da morte.

(Baseado em O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson)



Assim como o Dr. Jekyll, também nasci no ano 18. Eu também era herdeiro de uma grande fortuna, mas diferente de Jekyll, nunca tive oportunidade de desenvolver-me. Eu era uma aberração, desde o início da minha existência. Por isso, as pessoas não me conheceram.

Mas elas conheceram alguém muito pior. Conheceram Henry.

Quem ouviu falar de mim, me condena pelo que fiz, e com razão. Eu sou o monstro. Mas sou um monstro que nunca existiria, se Henry não existisse.

Nasci da crueldade de Henry, e de seu desejo incontrolável de cometer atrocidades e sair impune de todas elas.

Henry não passava de um covarde. Precisou criar uma poção para dissociar seu lado ruim de seu lado bom, quando, na verdade, ele sempre foi as duas coisas. Sua ruína foi pensar que tinha controle sobre o que estava fazendo.

Jekyll me trouxe a vida quando fragmentou sua mente, mas eu sempre estive lá. Conheço a humanidade, e ninguém pode ser totalmente bom, ou totalmente mal. Isso era algo que minha outra metade, como um homem da ciência, devia ter considerado. E algo que vocês que leem esse relato, também devem considerar.

Mas como qualquer disfarce mal feito, a máscara de Jekyll cairia mais cedo ou mais tarde. Quanto mais ele se transformava em mim para satisfazer suas vontades execráveis, mais controle eu ganhava sobre sua consciência. E nada o perturbava mais do que perder o controle de sua própria criação.

Se sou o monstro dessa história, é porque Jekyll quis que eu fosse.

Em seu relato, Jekyll ainda ousa falar de mim como se eu fosse sua condenação.
Nós não éramos dois homens, como ele tenta persuadi-los a acreditar. Sempre fomos um só.

E seus lados nada tinham de sinceros. Se ele realmente fosse sincero quanto sua dualidade, teria ele me criado?

Lembro-me de como foi a sensação de finalmente estar livre. Eu era jovem, feliz, perigoso e perverso. Quando Jekyll se viu transformado em mim pela primeira vez, sentiu-se invencível, apesar da aparência fragmentada.

Talvez seu maior erro tenha sido me nomear. Dar nome às coisas as torna reais, e foi isso que aconteceu quando ele se apresentou como Edward Hyde.

Eu era um escape para Jekyll. Ele recorria àquela poção quando precisava satisfazer suas aspirações repulsivas, e eu era o responsável por fazer isso para ele e ganhar a má fama que devia ser dele.

Ele se sentia tão grande, tão imensamente genial por pensar que era só beber uma poção, cometer seus crimes e depois voltar para casa e se deliciar com uma xícara de chá, sabendo que estava acima de qualquer suspeita. Isso não me parece o reflexo de um homem de bem. Mas quem sou eu para falar, não é mesmo?

De tanto que Henry me usou, comecei a assumir uma identidade própria. Meu corpo começou a se endireitar e minha aparência estava menos fragmentada, até chegar ao ponto em que minhas atrocidades chocaram até o próprio Henry — que foi quem as alimentou, em primeiro lugar.

O que minha outra metade não quer confessar, é que para que eu tomasse controle de sua consciência com tanta facilidade, sem precisar mais da poção (ou seja, da permissão de Jekyll), só poderia significar uma coisa: a maldade dele era tanta, que uma vez liberada obscureceu qualquer centelha de bondade que pudesse existir naquele homem. O equilíbrio natural da dualidade do ser humano, estava se extinguindo.

Henry precisava fazer uma escolha. E ele escolheu se desfazer de mim. Mas, os efeitos de sua escolha foram tão dolorosos quanto uma abstinência.

Passei minha vida aprisionado. Depois fui liberto, fiz tudo que queria fazer, apenas para ser aprisionado mais uma vez.

Eu estava furioso. Jekyll não podia simplesmente fingir que essa parte dele não existia. Eu vim ao mundo por causa dele, e agora ele tinha que lidar com as consequências.

Mas, por outro lado, por ter desenvolvido uma personalidade própria, eu também não queria morrer. Eu seria enforcado pelos meus crimes. E Jekyll morreria junto.

Não é como se eu tivesse de fato algum arrependimento. Sou o lado ruim de Jekyll, um lado que ele usou e alimentou até que perdesse totalmente o controle. Talvez, no fim de tudo, eu seja uma vítima da ganância de minha outra metade, que insistiu em separar o que não podia ser separado.

Finalizo esse breve relato, sabendo qual será meu destino. O médico morreu primeiro, e agora só restou o monstro.

Mas espero somente que as pessoas que encontrem minha narrativa, tenham a consciência de que o médico e o monstro nunca foram dois homens diferentes, e sim apenas um. E que quando as pessoas próximas de Henry Jekyll lamentarem sua morte, saibam que quem jaz em seu túmulo, não é o doutor de intocável reputação que todos conheciam, e sim o monstro criado a partir de seus desejos mais obscuros.

Jekyll era o monstro. E o monstro era eu.

Atenciosamente,
Edward Hyde.


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