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Caçador Fantasma (2023)

Branca de Neve sempre foi amada por todos. A princesa mais gentil do reino e a mais bela de todas.

O total oposto de sua madrasta.

Mas o momento em que a temida Rainha Má decidiu que se livraria de sua perfeita enteada, também foi o momento em que descobriu, que às vezes até os rostos mais belos, escondem segredos sombrios.

(História original inspirada no conto Branca de Neve dos Irmãos Grimm.)



— Espelho, espelho meu! Há nesse reino mulher mais bela do que eu?

— Não, majestade! Tu és a mais bela!

Esse era o ritual noturno da rainha. Ela não podia ir dormir sem falar com o espelho. Se isso acontecesse, não conseguia descansar.

A rainha era uma mulher bela, de fato. No entanto, sua beleza exterior se igualava perfeitamente a sua feiura interior. Era uma governante totalmente insensível e egoísta, que se aproveitava dos pobres e os enganava com suas promessas vazias. Seu palácio era enorme e luxuoso, mas os camponeses do reino viviam em condições precárias. A rainha não se importava com o sofrimento do povo, desde que ela pudesse manter seu estilo de vida extravagante. Sua única preocupação era manter a aparência de ser a mais bela e poderosa do reino.

Após a morte repentina do rei, a rainha viu uma oportunidade de aumentar ainda mais seu poder. Ela assumiu o controle total do reino e governou com firmeza. Mas, apesar de todo o poder que tinha, a rainha continuava a se sentir insegura sobre sua beleza.

Certa noite, ao fazer seu ritual diário com o espelho, ela ouviu uma resposta diferente do espelho.

— Existe uma mulher mais bela do que a rainha — disse o espelho.

A rainha ficou furiosa, pois o espelho não mentia.

— E quem seria essa mulher, espelho?

— Sua enteada, Branca de Neve

O sangue da rainha fervia de ódio.

A moça perfeitinha, amada por todo o povo, talvez fosse a única coisa que fazia com que os camponeses não iniciassem uma revolução contra a monarquia. Do recém-nascido ao mais senil idoso, todos amavam a princesa, que tinha a pele branca como a neve, cabelos escuros como ébano e lábios vermelhos como sangue. Todos, menos a rainha.

Ela tentou dormir naquela noite, mas foi difícil enquanto sua cabeça dava voltas e voltas pensando em como Branca de Neve havia, de repente, se tornado a mulher mais bela do reino.

***

Na manhã seguinte, a princesa e a rainha tinham que se preparar para a visita de um jovem rei, de um reino vizinho. A rainha passou horas se arrumando, a fim de conquistar a atenção do rei. Se ela se casasse com ele, conseguiria obter muitas vantagens.

Ela se sentou em seu trono, e não demorou muito para que a princesa se juntasse a ela.
Branca de Neve estava belíssima, e a rainha se surpreendeu ao ver sua enteada. Não se lembrava de como ela era — até porque não interagia muito com a princesa — mas agora conseguia entender porque o espelho havia dito aquilo. Isso só a deixou com mais raiva.

— Você está um desastre! — disse a rainha quando Branca de Neve se sentou no outro trono.

— É mesmo? Nossa, eu havia escolhido meu melhor vestido para hoje! Quer que eu vá me trocar, madrasta?

— Não. Não temos mais tempo para isso, querida. Fique aqui.

A rainha parou de olhar para a princesa, e por isso não percebeu o olhar desdenhoso que a mais nova lhe lançou.

Os portões do palácio foram abertos e os guardas anunciaram a chegada do rei

— Vossa, Majestade, Vossa Alteza. Apresento-lhes o rei Erik IV, do reino de Valoria!

O rei entrou, escoltado por seu próprio pessoal. Era um rapaz bonito e exalava coragem e autoridade, apesar de ser tão jovem.

A rainha sorriu para o rei, tentando conquistar sua atenção e admiração. Enquanto isso, Branca de Neve observava a cena com desconfiança. Ela sabia como sua madrasta podia ser egoísta e manipuladora, e não confiava totalmente em suas intenções.

Ela já foi o tipo de pessoa que sempre procurou o melhor em todos. Mas tudo mudou após a morte de seu pai.
Durante o jantar, a rainha continuou a se esforçar para impressionar o rei, enquanto eles conversavam sobre a atual situação do reino

— Estamos enfrentando uma crise em nosso reino, e precisamos encontrar uma solução para o problema o mais rápido possível. Acredito que devemos aumentar os impostos para garantir que tenhamos dinheiro suficiente para lidar com a situação.

O rei arregalou os olhos com aquele absurdo, mas tentou se manter cordial.

— Entendo sua preocupação, mas aumentar os impostos pode ser prejudicial para os camponeses e trabalhadores do nosso reino. Talvez devêssemos pensar em outras soluções antes de tomar uma decisão tão drástica.

— Eu não acredito que você esteja levando a situação a sério o suficiente, Majestade. Você precisa entender que estamos lidando com uma crise que ameaça a estabilidade do nosso reino.

— Entendo completamente a gravidade da situação, acredito que o melhor a fazer, é encontrar uma solução que não prejudique o povo.

Exausta por aquela conversa, Branca de Neve interviu:

— Com licença, Majestades. Sinto muito por interromper, mas acredito que o rei tem um ponto válido. Aumentar os impostos pode prejudicar aqueles que já estão lutando para sobreviver em nosso reino. — disse educadamente, mas com firmeza

— Mas minha querida, você melhor do que ninguém deveria entender a gravidade da situação! Você sai todos os dias, sabe-se lá para o que. Você vê o que nosso povo está passando. Precisamos tomar medidas drásticas para garantir a segurança deles, mas para isso, precisamos de recursos

Branca de Neve não levantou a voz, mas estava prestes a perder a paciência.

— Entendo perfeitamente, Majestade. Mas acredito que devemos encontrar uma solução que seja justa para todos. Como a senhora mesma acabou de afirmar, eu saio todos os dias e sei como as pessoas estão vivendo. Elas não têm condições para pagarem mais impostos. — A princesa fez uma pausa antes de continuar, sabendo que suas próximas palavras iriam enfurecer a rainha. — Talvez possamos pensar em outras maneiras de arrecadar dinheiro ou cortar despesas desnecessárias. Como as suas maquiagens, por exemplo.

Antes que a rainha respondesse, o rei se expressou.

— Sim, exatamente! Não podemos sacrificar nosso povo para resolver nossos problemas. Temos que encontrar uma solução que não os prejudique. Talvez, cortar algumas despesas do palácio já seja um bom começo.

O rei olhava para Branca de Neve com admiração, e a princesa sorriu para ele.

— Bom saber que pensamos igual, Majestade.

Depois dessa breve humilhação, a rainha tentou mudar de assunto, mas o rei se mostrou mais interessado em conversar com Branca de Neve. A princesa era educada e simpática, e o rei ficou encantado com sua beleza e inteligência.

A rainha ficou cada vez mais irritada com a atenção que o rei estava dando à princesa. Ela sabia que se Branca de Neve se tornasse a esposa dele, isso poderia enfraquecer seu próprio poder e influência.

Assim que o jantar acabou, a rainha convocou seu espelho para mais uma consulta.

— Espelho, espelho meu. Quem é a mais bela do reino agora?

O espelho respondeu sem hesitação:

— Ainda é a Branca de Neve, majestade.

A rainha suspirou desapontada. Ela tinha esperanças de que o espelho pudesse dizer que ela era mais bela do que Branca de Neve.

Nos dias seguintes, a rainha tentou de todas as formas impressionar o rei e desmerecer Branca de Neve. Mas o jovem rei não se deixou levar por suas manipulações. Ele via claramente a bondade e a beleza da princesa, e a rainha, sabia que não tardaria até que ele a pedisse em casamento

Ela não podia permitir que Branca de Neve se tornasse rainha e ameaçasse seu próprio poder. Decidiu então que deveria eliminar a princesa de uma vez por todas.

***

Havia uma história que circulava pelo reino, sobre um caçador sem rosto. Além de caçar os mais variados animais e não deixar rastros de sua identidade, esse caçador também era uma espécie de mercenário. Mas era muito difícil negociar com ele, pois ninguém nunca o via. Caso quisessem contactá-lo, precisava ser por intermédio de seus capangas. As poucas negociações feitas com esse caçador, que muitos chamavam de Fantasma, eram iniciadas e concluídas sem que o contratante do serviço visse o caçador pessoalmente.

Era exatamente esse caçador que a rainha precisava. Ele se escondia nas florestas, e Branca de Neve amava ir para as florestas. Quando ela menos esperasse, o Fantasma a mataria, e levaria seu coração para a rainha.

Então, a rainha enviou seus soldados mais leais para encontrar o Fantasma e levá-lo ao castelo para uma audiência privada com a rainha. Depois de muita busca, eles finalmente conseguiram chegar até os capangas dele, que eram, na verdade, um curioso grupo de anões.

— Fantasma não irá — disse Mestre, o anão mais velho — Ele nunca negocia pessoalmente com os contratantes, e não diferirá com vossa Majestade

— A rainha promete oferecer-lhe uma quantia valiosa em troca

— Então, que ela ofereça a nós — disse Zangado — Se não for assim, não existe acordo.

Os guardas se viram em um impasse. Se voltassem ao palácio sem resultados, a rainha podia executá-los. A melhor opção era levar os anões.

Com isso decidido, os sete foram levados para a audiência com a rainha, que ficou desapontada com a recusa do Fantasma em vê-la. Mas apesar disso, decidiu receber os anões. Era sua única chance de tirar sua enteada de seu caminho, e ela não podia desperdiçar.

Ao ficar a sós com os anões, a rainha foi direto ao ponto:

— Quero que o Fantasma, mate minha enteada, a princesa Branca de Neve

Os sete anões ficaram chocados. Eles se entreolhavam, alguns até em dúvida se tinham realmente ouvido certo.

— Assassinar a princesa, Majestade? — perguntou Mestre

— Ele será recompensado, assim como cada um de vocês

— E como… Como seremos recompensados? — questionou Soneca, entre bocejos

— Mil barras de ouro para cada um, seria o bastante?

Os anões arregalaram os olhos. Esse era o tipo de negócio que o Fantasma não pensaria duas vezes.

Mas, ao mesmo tempo, sabiam que ele teria ressalvas quanto a assassinar a princesa.

— Uma oferta generosa. Mas devemos conversar com o chefe, antes de fechar qualquer acordo.

— Como quiserem

A rainha os dispensou com um aceno de mão, e os anões retornaram à casa escondida na floresta para falar com o Fantasma.

Ele estava sentado em uma cadeira feita de pele de lobo branco, e apesar de estar de costas para a porta, sabia perfeitamente quando os anões se aproximavam.

— Qual foi a negociação de hoje? — perguntou

— A rainha está oferecendo mil barras de ouro para cada um de nós, se você matar a princesa Branca de Neve — afirmou, Feliz

Fantasma se levantou subitamente. Ainda de costas para os anões, começou a rir. Mal pôde se conter. Aquilo era extremamente absurdo.

— Então… — Fantasma se virou lentamente para encará-los — A rainha lhes ofereceu uma quantia que ela não possui, em troca de que eu… me matasse?

— Naturalmente, a rainha não sabe que você é o Fantasma, vossa Alteza — disse Zangado.

Branca de Neve começou a andar em círculos, com sua adaga em mãos. De repente, a atirou na parede, assustando Dunga, o mais novo.

— Aquela ratazana enfeitiçou meu pai. E após conseguir o que queria, ela o matou com aquela maldita cidra de maçã. Nosso povo sofreu e continua sofrendo porque ela só se importa em manter o poder e as aparências, não importa o que precise fazer para mantê-lo. E agora ela quer que eu morra? Não, eu não permitirei isso.

Branca de Neve respirou fundo e olhou para os anões.

— Preciso da ajuda de vocês. Vamos impedir que a rainha faça mal a qualquer um de nós novamente. Lutaremos por nosso povo e pela justiça.

Os anões trocaram olhares entre si e, finalmente, Dunga tomou a palavra:

— Nós sempre estivemos ao seu lado, princesa. Lutaremos juntos.

Branca de Neve sorriu, sentindo-se mais forte com o apoio dos amigos.

— Então, vamos começar a planejar. Temos muito trabalho a fazer antes de confrontarmos a rainha.

***

Os anões voltaram ao palácio três dias depois, e disseram que o Fantasma não só aceitou os termos, como também levaria pessoalmente o coração de Branca de Neve para a rainha.

Mas ao amanhecer daquele dia, Branca de Neve estava em casa. Ela não havia saído.

— Madrasta? Quer vir tomar café da manhã comigo?

— O que está fazendo aqui, menina? Pensei que estivesse na floresta uma hora dessas!

— Não acordei muito disposta, e não queria comer sozinha. Por que não me acompanha?

A rainha detestava a gentileza de sua enteada, mas para não levantar suspeitas entre os criados quando Branca de Neve estivesse morta, ela aceitou o convite.

A mesa estava farta, com várias opções de comidas deliciosas. Ela tirou um pedaço de torta que parecia recém-retirada do forno.
Enquanto a rainha saboreava a torta, a princesa apenas a observava.

— Devo parabenizar as cozinheiras, essa torta está divina! Não quer um pouco?

— Não, obrigada. — respondeu à princesa, educadamente. — Na verdade, eu esqueci de verificar uma coisa lá fora, mas não precisa me esperar

Branca de Neve saiu e não voltou mais.
Após terminar de comer, a rainha deixou a mesa e voltou para seu quarto. No entanto, esteve atenta para saber se a princesa estava de volta.

Ao anoitecer, todos estavam preocupados, pois não havia sinal de Branca de Neve. A rainha, já tinha uma ideia do que havia acontecido, e seu coração pulsava de alegria, apesar de não ter se sentido muito bem durante o dia. Provavelmente era o estresse a adoecendo, mas depois dessa notícia, tinha certeza de que ficaria melhor. Ao entrar saltitante na sala onde estava o espelho, ela perguntou:

— Espelho, espelho meu! Há nesse reino mulher mais bela do que eu?

Mas não houve resposta?

— Espelho?

Ela retirou o lençol que o cobria e estremeceu ao ver o espelho todo rachado. Olhou em volta, a procura de alguém, mas não viu sinais de uma segunda pessoa no ambiente.

Mas, ao olhar de volta para o espelho quebrado, havia atrás de si, uma figura encapuzada, com uma máscara que cobria seu rosto por inteiro.

— Fantasma! Não esperava você por aqui tão rápido.

A figura se curvou para a rainha, entregando a caixa onde estaria o coração da princesa. A rainha a abriu… mas não havia nada ali

— O que é isso? Cadê o coração da Branca de Neve? — ela gritou

Fantasma não respondeu. Apenas tirou seu capuz, e em seguida sua máscara.

— Batendo livremente em meu peito, Majestade

A rainha estremeceu. Era Branca de Neve, viva e sã em sua frente. A rainha sentiu sua raiva e ódio se transformando em medo e desespero.

— Como… como isso é possível? — ela gaguejou.

— Desde que você assassinou meu pai, e começou a roubar o que pertencia ao meu povo, eu percebi que não podia ficar parada, vendo-os sofrer. Eu me tornei a Fantasma. Roubei da própria coroa, espalhei sangue dos gananciosos por todo o reino. Fiz pessoas como você me pagarem para fazer o trabalho sujo, e entregava todo esse dinheiro aos pobres. Mas você nunca suspeitou, não é? Achava que eu era uma mocinha tonta que cantava para os passarinhos?

A rainha encarou a princesa e ergueu a cabeça

— E o que vai fazer agora? Me matar? Por que se fizer isso será procurada por todo o reino

Branca de Neve riu com desprezo

— Eu seria ovacionada pelo reino se eu te matasse, e por mais tentador que isso seja, não vou precisar. Você já fez isso consigo mesma

A rainha começou a sentir novamente a tontura de mais cedo, até cair de joelhos no chão

— O QUE VOCÊ FEZ?

— Torta de maçã envenenada. Você estava tão empolgada no café da manhã, que eu quase senti pena de você.

Branca de Neve se agachou e levantou o queixo da rainha com a sua adaga

— Você vai morrer, madrasta. E sobre meu governo, e o de Erik, todos esquecerão de você. Agora me diga? De que vale ser a mais bela do reino agora?

Então Branca de Neve largou a rainha no quarto do espelho, tirou seu disfarce e anunciou a morte dela aos criados.

Ninguém ficou de luto pela rainha má, e meses mais tarde, Branca de Neve se casou com o rei Erik. Os dois foram lembrados pelo reino com muito carinho e admiração.

E quanto ao Fantasma, ele não foi mais visto. Mas permanecia vivo dentro da nova rainha, que sabia que sempre que fosse necessário, ela tiraria seu disfarce do baú e traria justiça ao seu povo, como sempre fez, e sempre continuará fazendo.

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