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O Lobo de Vermelho (2023)

Nesse reconto de Chapeuzinho Vermelho, conheceremos Wolfgang, um jovem lobisomem que usa um capuz vermelho para esconder os vestígios de sua última transformação. Visto como um monstro pela humanidade, ele sempre tenta se manter afastado dos outros, mas seu caráter fala mais alto ao avistar um caçador seguindo uma menininha que andava sozinha na floresta, completamente indiferente aos perigos que podia encontrar lá.

Às vezes os piores monstros não são aqueles que se transformam com a luz da lua cheia, e sim aqueles que parecem inofensivos, com seus sorrisos banhados a ouro, caminhando à espreita prontos para atacar.

(Existem várias versões de Chapeuzinho Vermelho. Esse conto foi inspirado na versão de Charles Perrault.)


NA FLORESTA SOMBRIA, os vaga-lumes dançavam sob a luz da imensa lua cheia. O som dos animais noturnos ecoava pelo ar, enquanto os galhos das árvores balançavam suavemente com a brisa noturna. O ar era fresco e úmido, com um aroma de terra molhada e folhas secas.

A noite estava silenciosa, e nada além do barulho dos gafanhotos podia ser ouvido. Mas apesar da harmonia na floresta, apenas um ser não podia deixar sua caverna para aproveitar a noite.

Era um ser mitológico e horrendo, metade lobo, metade homem. Em sua casa na floresta, todas as janelas se encontravam fechadas, e nenhuma luz sequer da lua podia entrar ali.

Esse isolamento intenso, garantia que o homem não se transformasse em lobo.
Viver, já era perigoso demais para esse jovem lobisomem. Durante o dia, seres como ele eram caçados incessantemente pelos humanos, e durante a noite, a beleza da lua o transformava em um lobo. Uma fera horrenda e irracional, que deixava rastros de sangue por onde passava.

E todas as noites, antes de dormir, o homem pensava consigo mesmo:

“Até quando, terei eu que viver nessa profunda solidão? Até quando, o mundo continuará sendo um lugar perigoso para seres como eu?”

Um feixe de luz da lua entrou pela fechadura da porta, e o rapaz não teve escolha, senão sofrer aquela dolorosa transformação mais uma vez.

***

Wolfgang acordou naquela manhã, se perguntando se era seguro sair um pouco de casa. Desde que ele e sua família tiveram que se separar, para sua própria segurança, o rapaz tinha medo de ser identificado por caçadores sempre que deixava sua casa.

Era início de outono e os ventos estavam um pouco fortes, então ele pegou um casaco vermelho e o vestiu. Ao ver que suas orelhas não haviam voltado totalmente ao normal, ele as cobriu com o capuz, e saiu em seguida.

Ele caminhou pela floresta, cantarolando uma música que costumava ouvir de sua mãe, quando notou uma menina caminhando sozinha pela floresta, com uma cesta nas mãos.

Seu faro de lobo, o fez perceber que a menina carregava comida em sua cesta, o que fez seu estômago roncar.

Wolfgang sabia que não devia importunar a garotinha, então começou a caminhar para longe, para não se deixar levar pelos seus instintos animais e roubar a cesta da menina. Mas, ele parou ao perceber que um homem mais velho, com uma espingarda, seguia a jovem menina.

O que um caçador quer com uma criança?, Ele se perguntou.

Ela continuava caminhando, e o homem continuava a seguindo. Ele se sentiu tão incomodado, que aproveitou a distância do caçador e se aproximou da menina.

— Oi, garotinha! — disse ele, se agachando para ficar do tamanho dela

— Olá!

Ao ver que o caçador havia parado de segui-la, ele continuou agachado perto dela

— Para onde está indo, pequena?

— Para a casa da minha avó! Ela está doente, e minha mãe mandou eu levar esses doces para ela

— Sozinha? Mas você é muito pequena, e essa floresta é perigosa! — disse, ainda farejando o caçador a distância

— A mamãe disse que se eu seguisse o caminho certo chegaria lá em segurança.

Ele nem devia estar se envolvendo naquela história, mas o fato de aquela criança estar caminhando sozinha pela floresta já era perigoso o bastante, aquele caçador a seguindo tornava tudo muito pior. Wolfgang conhecia a maldade humana, e ela se manifestava de inúmeras formas — todas extremamente horrendas.

— Posso levá-la então? Não quero te machucar, só quero te proteger. — ele falou baixinho — Tem um homem estranho te seguindo.

A menina olhou para ele com medo, mas logo seus olhos se encheram de confiança. Ela entregou a cesta de doces para Wolfgang, e ele a colocou em suas costas. 

Eles seguiram pela trilha da floresta, enquanto Wolfgang ficava atento a qualquer movimento suspeito do caçador.

De repente, um galho quebrou, fazendo Wolfgang pular de susto. Ele olhou para trás, mas não viu nada. Provavelmente era apenas um animal selvagem, pensou consigo mesmo. Mesmo assim, ele não baixou a guarda.

Eles continuaram andando, e logo chegaram à casa da avó da menina. Assim que ela abriu e abraçou a neta, Wolfgang viu que era hora de ir embora, mas a menina puxou sua capa vermelha.

— Não vá, por favor! Fique conosco, senhor…?

— Wolfgang — ele disse — Desculpe, esqueci de me apresentar antes

Ele fez uma mesura para a senhora que abriu a porta.

— Entre, querido! — disse a mulher — Fique a vontade, por favor!

— Realmente não quero incomodar

— Ah, que isso! Eu já disse para minha filha milhares de vezes para ela não deixar minha neta andar sozinha na floresta, mas ela não me escuta! É o mínimo que posso fazer por você, meu rapaz. Não são todos os homens que possuem um coração puro como o seu.

Ao ouvir isso, Wolfgang ficou tão surpreso que mal soube como reagir. Mas com certeza seria uma desfeita recusar o convite daquela senhora.

— Tudo bem — ele disse — mas preciso voltar antes do anoitecer

E dito isso, entrou na casa.

A senhora pediu que sua neta arrumasse os doces na cozinha enquanto ela conversava com Wolfgang na sala de estar.

— Por que não tira esse capuz, meu rapaz?

— Não posso. — respondeu imediatamente, e vendo que pareceu grosseiro, tentou reformular — Quer dizer… tenho um problema de pele, e por isso não posso tirar o capuz.

— Hum… — ela respondeu, não muito convencida. — Bem, eu agradeço mais uma vez pela sua gentileza.

A garota voltou para a sala com os doces já arrumados em um prato e os ofereceu para sua avó

— Ofereça para as visitas primeiro, minha querida.

A mocinha então, ofereceu os doces para o convidado

— Estão uma delícia, Sr. Wolfgang!

— Tenho certeza que sim — respondeu com um sorriso, e por educação, aceitou um bolinho. Estava delicioso, e tinha um sabor agridoce. Já fazia bastante tempo que ele não comia nada tão bom.

— Obrigado.

Ele tentou ir embora algumas vezes, mas nenhuma das duas deixou que ele fosse. Quando a menina se afastou por uns minutos, ele tentou explicar para a dona da casa o porquê precisava ir embora.

— Vocês foram muito gentis comigo, mas de verdade, não posso ficar muito tempo. Preciso voltar antes do anoitecer.

— Sei disso. Também quero que minha netinha volte para casa antes do anoitecer. Ela deixa um rastro de pelos enorme quando se transforma e eu sou alérgica

— Ah, isso é terrível… Espera, o que? — perguntou confuso, quando refletiu o que acabara de ouvir

— Ela também é uma de vocês. Por isso eu soube que você também era um. Além de esconder suas orelhas com esse capuz vermelho, você a ajudou sem nem pensar duas vezes, como se faz em uma alcatéia.

— Então… a senhora não tem medo de mim?

— Não, meu rapaz! Tenho medo desses homens "gentis demais" que se aproximam de lobinhas como minha neta, dizendo que querem ajudá-las, mas só querem matá-las.

Wolfgang meneou com a cabeça, lembrando do caçador que viu seguindo a menina.

— Sempre que ela vier visitá-la, prometo que virei com ela.

A senhora então se aproximou e abaixou o capuz vermelho do menino. Suas orelhas de lobo ainda estavam à mostra.

— Você é um bom menino. Ser um lobisomem não mudará isso.

Ele sorriu, mas colocou o capuz de volta

— É uma pena que nem todos pensem como a senhora.

— Mas um dia, eles irão ver quem é o verdadeiro monstro.

A menina desceu as escadas rapidamente, já arrumada para sair e com seu cabelo longo cobrindo as orelhas.

— Querida, o sr Wolfgang te levará para casa agora

— Mas já, vovó?

— Sim, querida. Sabe que não pode ficar até o anoitecer.

A menina não parecia querer ir embora, mas obedeceu

— Vamos, pequena? Você me mostra o caminho, certo? — disse Wolfgang. Ela segurou a mão do rapaz e eles saíram da casa da vovó após se despedirem dela novamente.

Ela mostrou onde ficava sua casa, e Wolfgang a deixou em segurança antes do aparecimento da lua cheia.

Mas ao deixar a casa dela, avistou o caçador à espreita. Ele parecia estar determinado a ficar ali até que a menina aparecesse para que pudesse atacá-la.

Wolfgang foi ensinado a não enfrentar caçadores diretamente, mas não deixaria que um homem miserável como aquele se aproveitasse da inocência daquela garotinha. Ele sabia como eram esses homens. Identificavam lobisomens mais vulneráveis — crianças principalmente — e se faziam de bonzinhos, apenas para ganhar a confiança delas e na primeira oportunidade, longe dos olhos de todos, matá-las.

— Ei, você! — Wolfgang se aproximou do caçador, que apenas o encarou com desprezo

— Boa noite, rapaz — respondeu, tentando parecer educado.

— Eu só vou falar uma vez. Pare de perseguir essa menina.

O caçador riu, e isso fez Wolfgang se aborrecer mais ainda.

— O que é tão engraçado?

— Escute aqui, meu jovem. Você não sabe o que ela é, então deixe-me fazer meu trabalho, sim?

Wolfgang se aproximou mais do caçador, o suficiente para que pudesse sentir o cheiro da arma que ele carregava.

— Eu sei exatamente o que ela é, e não vou permitir que você faça nada contra ela.
O caçador fez menção de sacar a arma, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Wolfgang se transformou em um lobo enorme e o atacou.

O caçador não teve chance contra a força do lobisomem, que o deixou inconsciente no chão.

Wolfgang se transformou de volta em humano e verificou se o caçador estava vivo. Ele estava, mas precisaria de ajuda para se recuperar.

Ele sabia que a melhor coisa a fazer era cortar o mal pela raiz. Mas antes de fazer isso, ele se certificou de que a menina estivesse segura em casa e que ninguém mais a perseguiria.

Por mais que não gostasse, era o que o caçador merecia. Então com um último golpe, Wolfgang tirou o resto de vida que restava daquele homem.

O rapaz lobisomem se sentia satisfeito por ter protegido a inocência daquela menina e por ter lidado com um caçador perigoso. Ainda haveria muitos desafios pela frente, mas estava pronto para enfrentá-los, principalmente agora que sabia, que nem todos os humanos odiavam sua espécie.

E, com um sorriso no rosto, seguiu seu caminho, pronto para o que quer que viesse pela frente.


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