Reprimir sentimentos é doloroso, mas o amor afoito é mortal: o que Jane Austen ensina através de Razão e Sensibilidade
Razão e Sensibilidade é muito mais do que uma fonte encantadora de entretenimento. Através de sua escrita irônica, refinada e perspicaz, Jane Austen nos oferece uma poderosa lição sobre equilíbrio emocional, tendo como principais condutoras dessa jornada as irmãs Elinor e Marianne Dashwood.
O título da obra é, por si só, uma pista clara da natureza simbólica de suas protagonistas. Elinor representa a razão; Marianne, a sensibilidade. Ambas, no entanto, vivem de forma tão extrema dentro de seus respectivos papéis que acabam enfrentando sofrimentos evitáveis — justamente por falta de equilíbrio entre emoção e racionalidade.
Elinor é uma personagem centrada, compassiva, atenciosa e extremamente ponderada. Sua tendência a pensar antes de agir ou falar, a colocar a lógica acima dos impulsos emocionais, faz dela uma presença constante e confiável. Ela não reprime os sentimentos por frieza ou desinteresse, mas por senso de responsabilidade e empatia — muitas vezes silenciando sua dor para não sobrecarregar os outros. Essa repressão, porém, cobra um preço alto. Em especial na situação com Edward Ferrars, sua contenção emocional beira o martírio. Quando, ao final, as coisas se resolvem e ela finalmente se permite sentir, a catarse é não apenas dela, mas também do leitor, que acompanha sua jornada com empatia e admiração.
Marianne, por outro lado, é movida pelos sentimentos. Intensa, espontânea e romântica, ela idealiza o amor arrebatador dos poemas e das tragédias shakespearianas. Critica a "frieza" da irmã e rejeita qualquer ideia de afeição que não seja passional e arrebatadora. Essa postura impulsiva a leva a se apaixonar cegamente por John Willoughby, que, apesar de inicialmente corresponder à intensidade de seus sentimentos, revela-se alguém inconstante e egoísta.
É interessante notar como os demais personagens, ao observar o comportamento de Marianne e Willoughby, assumem com naturalidade que estão noivos — uma leitura superficial e equivocada, contrastando com a percepção mais atenta e cautelosa de Elinor. Mesmo reconhecendo o envolvimento da irmã, Elinor observa, com preocupação, a ausência de um compromisso concreto. Essa lucidez, embora dolorosa, a prepara para a decepção. Já Marianne, entregue à idealização, sofre um baque profundo, que a leva literalmente à beira da morte — prova de que, quando os sentimentos dominam completamente a razão, o sofrimento pode se tornar insuportável.
Nesse contexto, surge o Coronel Brandon, figura que representa o amor maduro, silencioso e constante. Ele observa Marianne de longe, com respeito e carinho, sem nunca forçá-la a corresponder. Por ser mais velho e reservado, muitos personagens da trama presumem que ele teria mais afinidade com Elinor, mas Austen deixa claro que entre eles não há atração romântica. No entanto, ao longo da narrativa, Marianne amadurece. Após reconhecer os perigos do amor afoito, ela passa a valorizar a lealdade, o caráter e o afeto genuíno — atributos que sempre estiveram presentes em Brandon. O sentimento que nasce entre eles não é impulsivo, mas sólido, construído com base em respeito mútuo e aprendizado.
Assim, Razão e Sensibilidade nos ensina que nem a repressão absoluta dos sentimentos nem a entrega irrestrita às emoções levam à felicidade. O amadurecimento emocional das personagens, marcado pela busca de equilíbrio entre razão e sensibilidade, é a verdadeira chave para o amor — não aquele idealizado e impetuoso, mas o que se sustenta na realidade compartilhada e no cuidado mútuo.
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